Políticas linguísticas e educação escolar indígena

Políticas linguísticas e educação escolar indígena

Obra organizada por Sandro Luís da Silva e Indaiá de Santana Bassani visa contribuir com a preservação da identidade linguística de povos indígenas no Brasil

O livro Políticas linguísticas e educação escolar indígena, organizado por Sandro Luís da Silva e Indaiá de Santana Bassani, traz reflexões sobre o reconhecimento das línguas dos indígenas e visa contribuir com a preservação da identidade linguística desses povos no Brasil.

Leia abaixo a apresentação da obra. O download do livro completo pode ser feito aqui.

O presente volume surge como resultado do Curso de Aperfeiçoamento em políticas linguísticas para Educação Escolar Indígena, promovido pelo Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais da Educação Básica da Universidade Federal de SãPaulo (COMFOR/UNIFESP). O curso, oferecido em 2015 para aproximadamente 120 profissionais da educação básica da rede pública de ensino de São Paulo, teve o objetivo de oferecer subsídios ao trabalho de professores e gestores em relação a políticas linguísticas no contexto da Educação Escolar Indígena. No desenvolvimento do curso, foram debatidos temas fundamentais para a promoção do reconhecimento das línguas indígenas e para a valorização e manutenção do uso dessas línguas no âmbito escolar, com vistas a contribuir para a promoção e preservação da identidade linguística dos povos indígenas no Brasil.

Em sua maioria, os colaboradores deste livro participaram de algum modo da realização do curso, na qualidade de autor de material didático, de coordenador ou de estudante. Conseguimos reunir, nesta coletânea, capítulos que oferecem tanto reflexões teóricas e conceituais acerca das questões históricas, sociais e estruturais da educação escolar indígena e da questão propriamente linguística quanto dados objetivos e relatos subjetivos sobre da realidade e a prática da escola indígena. 

Em “O estado de São Paulo e as políticas para educação escolar indígena”, Rafael Afonso Silva apresenta, inicialmente, um breve histórico da institucionalização da educação escolar indígena no Brasil, cuja forma de execução e implementação é a estadualização, modelo criticado pelo autor. Em seguida, apresenta números atualizados que compõem o quadro da educação escolar no Estado de São Paulo. O autor se baseia tanto em dados gerais sobre a população indígena, provenientes do Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010 e de relatórios da FUNAI, quanto em dados específicos do Censo Escolar de 2014. Neste ano, por exemplo, foram realizadas 1.764 matrículas de alunos indígenas em todos os níveis do Ensino Regular e da Educação de Jovens e Adultos no Estado de São Paulo, cuja população indígena era de 41.981 indivíduos, segundo o CENSO 2010. Além disso, mostra que o atendimento escolar específico e diferenciado ocorre em 40 Escolas Estaduais Indígenas (EEI’s) e em 4 escolas municipais atualmente. Através de outros dados, não menos importantes, expõe a situação indígena no que se refere à produção de material didático específico e a prática do ensino bilíngue. Por fim, o autor apresenta uma análise do desenvolvimento da política no Estado e aponta como caminho de aperfeiçoamento do modelo existente um aumento qualitativo aliado ao aumento quantitativo trazido pelas políticas públicas. Conclui que tal salto qualitativo deve se dar na medida em que o Governo do Estado possibilite e garanta uma participação mais efetiva das comunidades indígenas nos processos de elaboração e execução das políticas.Em “Língua e identidade: apontamentos sobre o processo de nacionalização da língua portuguesa no Brasil”, Hosana dos Santos Silva discute a nacionalização da língua portuguesa no Brasil e aborda o que denomina efeitos na formação da identidade cultural e linguística do povo brasileiro. O trabalho, de caráter interdisciplinar, oferece discussões nos âmbitos da Sociologia da linguagem, da Sociolinguística e da História com o objetivo de refletir sobre as ações políticas e socioculturais que permitiram a nacionalização da língua do Brasil. A autora desvela que, no período de pós-independência, os discursos  das elites letradas adquiriram caráter ambíguo, pois defendeu-se, por um lado, uma língua nacional emancipada e, por outro, a preservação da língua portuguesa. A reflexão trazida no capítulo elucida o fato de que tal cenário culminou no vagaroso encaminhamento dos processos de emancipação sociocultural e linguística. Em conclusão, a autora afirma que dentre os muitos efeitos produzidos dos processos descritos no trabalho, deve-se salientar a persistência do sistema de diferenças sociais e linguísticas, ainda que diversidades étnicas, culturais e linguísticas sejam inerentes à nossa nação.

Em “O desenvolvimento de um material pedagógico piloto: descobrindo caminhos para a educação escolar bilíngue bakairi”, Aryane A. Antonio da Silva narra a experiência do desenvolvimento de material pedagógico destinado à alfabetização em língua materna Baikiri e em língua portuguesa na comunidade Bakairi. Os 1.055 indígenas autodeminados Kurâ-Bakairi estão distribuídos na Terra Indígena Bakairi (município de Paranatinga, MT) e na Terra Indígena Santana (município de Nobres, MT). O relato apresentado no capítulo se refere ao desenvolvimento de material exclusivamente na aldeia Pakuera, em Paranatinga. A iniciativa da criação do material surgiu dos próprios professores da comunidade, que se depararam com a falta de materiais para alfabetização na língua materna, o Baikiri, que apresenta dois dialetos nas áreas mencionadas. A autora mostra que no início do séc. XX o ensino da língua portuguesa visava somente à formação de mão de obra. Somente em 1985 foram contratados professores Kurâ para lecionar na comunidade e, em 2006, a escola passou a ser gerida pela própria comunidade. Aryane relata desde sua primeira atuação na comunidade, que se iniciou em 2006 com objetivo de manutenção da língua materna durante o processo de aquisição da segunda língua por meio do “bilinguismo aditivo”, passando por sua residência na aldeia, até a elaboração do material final.

Em “Políticas Linguísticas, Discurso e Formação de Professor: um foco na Educação Escolar Indígena”, Sandro Luis da Silva reflete sobre políticas públicas linguísticas atuais, mais especificamente voltadas para a Educação Escolar Indígena e suas interfaces com a formação do professor que irá atuar nas escolas indígenas. Sem deixar de ter como contexto amplo um aumento da preocupação com as questões relativas à inclusão social, a discussão abrange também o papel do sujeito do discurso inserido nesse contexto escolar. A concepção de discurso é a de Maingueneau (2013), segunda a qual esse é uma forma de ação, interativo e contextualizado e assumido por um sujeito, sempre. O levantamento das políticas linguísticas oficiais é feito por meio da consulta aos seguintes documentos: a LDB (1996), a CF (1988), a Resolução n. 5 (2012). Na sequência do texto busca-se uma relevante reflexão acerca da formação de professor para atuação na Educação Escolar Indígena. Dentre algumas das diretrizes dos documentos oficiais, estão as que propõem que as atividades devam ser conduzidas por professores da comunidade, como forma de abertura para o diálogo intercultural necessariamente trazido pela educação escolar e como meio de recuperação e preservação da identidade étnica da comunidade.

Em O papel dos multiletramentos na formação linguística e social”, Álvaro Antônio Caretta parte da introdução de conceitos fundamentais, como letramentos em gêneros multimodais e multimídias e a sua importância no processo de formação social, para a discussão do contexto escolar indígena. O autor traz à tona a importância das políticas linguísticas nas comunidades indígenas ao abordar métodos de ensino e aprendizagem de língua portuguesa como segunda língua. Propõe que o problema da educação indígena no Brasil é, em certa medida, da mesma natureza daquele que persiste na educação pública brasileira: o desafio de ensinar uma variante do português diversa daquela que o aluno faz uso no dia a dia. É somente em certa medida o mesmo cenário porque é ainda maior o desafio dos trabalhos nas comunidades indígenas, pois se trata do aprendizado  da variante de uma segunda língua. Como caminho de superação de tais desafios, Caretta afirma que os métodos pedagógicos, além de consistirem em projetos de multiletramentos, devem ter como premissa a aquisição da língua como prática social.

Em “A educação escolar indígena: possibilidades e desafios”, Adriano Gonçalves dos Santos apresenta uma breve reflexão com base bibliográfica sobre as principais problemáticas que cercam a questão escolar indígena, desde sua implantação até os dias atuais. O autor advoga em favor da implementação de escolas indígenas em que os projetos sejam verdadeiramente voltados aos índios. Critica momentos anteriores da história em que em que a educação indígena era gerida por figuras externas à comunidade, como a Igreja e o Estado. Assim, afirma que a escola indígena tem de consistir em uma proposta indígena, respeitando-se as peculiaridades de cada etnia. Contudo, deve-se ter em consideração que há conhecimentos externos à comunidade que lhes são relevantes para a convivência em um contexto maior, do país como um todo, como a alfabetização e o acesso às informações jurídicas.

Já é possível notar por meio dos pequenos trechos expostos que os capítulos confluem para a importância da apropriação e significação da educação escolar indígena pela própria comunidade em que é inserida. Nesse sentido, esperamos que o volume seja um incentivo e uma pequena contribuição para que tal intento passe a fazer efetivamente parte da realidade não só dessas comunidades, mas também do ambiente acadêmico. Ainda que timidamente, gostaríamos de inserir neste volume a voz daqueles que vivem diariamente as problemáticas aqui discutidas. Para tal, reproduzimos abaixo dois breves relatos sobre a prática pedagógica de Paulo Kavopin e Luiz Carlos Matarin, dois professores da etnia Bakairi (aldeia Pakuera do município de Paranatinga/Mato Grosso). Agradecemos a Aryane A. Antonia da Silva pela coleta das experiências narradas. Esperamos que a leitura desses relatos seja, pelo menos para os leitores desta obra, um momento dentre muitos em que se abrirão para ouvir” essas vozes. 

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