Do amor e outras brutalidades
Anna P., narradora de ambos os livros presentes nessa edição, se apresenta com o recuo de quem tomou nota de tudo e foi colhendo a dedo barbaridades constitutivas da vida em família. São dois ou três episódios decisivos num conflito conjugal: os desenganos, picantes, estão repletos de surpresa íntima e um delicado suspense. São cenários onde o celular é um aparelho mutante, ora chicote que fustiga à longa distância, ora queixada que acaba por matar o que estava morto e defunto.
Anna delimita as separações latentes de um casal comprimido na comunicação troca-a-troca, nas negociações virtuais e numa separação manifesta, tudo se preparando para contrastar, vivamente, com as conversas de verdade que Anna terá com o filho, Quim. Essas últimas conversas vão dar no tempo mais vivo do livro. É o dom presencial de uma mãe, outrora tão brasileira, às voltas com seu bebê, por vezes tão aparentado aos moldes de um reuso winnicotiano.
A consequência mais palpável será um extraordinário passa-a-palavra à criança. Quando você se aproximar do final desse segundo livro, não deixará de perceber que a intensidade dos cuidados maternos transborda os domínios da normalidade pequeno-burguesa. Buscando refúgio numa sabedoria em estado nascente, a composição toma o partido desse movimento inevitável que leva o bebê do segundo ao quarto ano de vida. É toda uma pré-escola do desejo, pedagogia na qual a vida vai mais longe do que a pedagogia. Sair do cativeiro das paixões familiais, por essas e outras, conduz ao não se sabe onde. Porque ainda não se sabe.
Silvio Rosa Filho
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Sobre a autora: Helena Tabatchnik formou-se em Letras pela Universidade de São Paulo. É mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada também pela USP e agora dedica-se exclusivamente à carreira literária.