Organizado pela professora Verilda Esperidião Kluth, obra reúne artigos sobre práticas docentes de formadores de professores de Ciências da Natureza
Organizado pela professora Verilda Esperidião Kluth, a obra Prática docentes e formação de professores: reflexões à luz do ensino de Ciências reúne artigos sobre práticas docentes de formadores de professores de Ciências da Natureza. A reunião de artigos de professores que trabalham na mesma universidade e em um mesmo campo dá ao livro um caráter inédito.
Leia abaixo a introdução da obra. O download do livro completo por ser feito aqui.
Este livro, organizado pela Professora Doutora Verilda Esperidião Kluth, reúne dez textos de colegas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus Diadema, que discutem o tema da formação de professores de Ciências da Natureza em nosso país a partir de reflexões muito bem fundamentadas teoricamente sobre a proposta curricular de um curso de Licenciatura nessa Universidade e sobre práticas docentes de formadores de professores, autores dos capítulos desta obra, nesse curso.
Por se tratar uma coletânea de textos sobre as práticas docentes de formadores de professores que atuam em um mesmo curso de uma mesma universidade, isto por si só já garante um certo ineditismo à obra. Infelizmente, não são tão comuns, no campo da pesquisa sobre formação de professores no Brasil, livros dessa natureza em que um curso de Licenciatura e as práticas de formação que ali se desenvolvem são objetos de estudos e de reflexões sistemáticas dos sujeitos que nele atuam.
O objeto de análise e de reflexões deste livro é, então, o curso de Ciências – Licenciatura da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Campus Diadema. Trata-se de uma universidade e de um curso criados a partir de 2008 com a implementação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) que não apenas expandiu o sistema federal de universidades públicas no Brasil – estagnado há décadas em razão das políticas neoliberais dos períodos anteriores (e que, infelizmente, retornam com força no atual contexto brasileiro!) –, por meio da criação de novas instituições federais de ensino superior (IFES), bem como de novos campi e de novos cursos – também em IFES já existentes –, mas que intencionalmente interiorizou esse sistema que, até então, encontrava-se ainda bastante concentrado nas capitais dos estados brasileiros. Além disso, o REUNI permitiu que essas novas universidades e mesmo as já existentes ousassem em seus projetos e que criassem cursos e programas que desafiassem a estrutura e a cultura dominantes no campo universitário brasileiro.
Nesse contexto, uma das palavras-chave que orientou os planos de reestruturação e de expansão das novas e já existentes IFES foi a interdisciplinaridade. Sendo assim, as novas instituições e/ou os novos cursos e programas – mesmo em universidades já existentes – aceitaram o desafio de construir propostas curriculares que avançassem em relação ao modelo disciplinar – ou, no máximo, multidisciplinar – que dominava (e ainda domina) o ensino de graduação no Brasil. Não coincidentemente, a interdisciplinaridade é um dos eixos centrais deste livro e, por meio dele, os autores refletem sobre as possibilidades e os desafios de se romper com estruturas e culturas tão arraigadas na maioria das universidades brasileiras.
Especificamente em relação às licenciaturas, um grupo de professores da Universidade de Brasília – UnB, em um documento sobre formação docente, afirmou certa vez que as “licenciaturas estão condenadas à interdisciplinaridade”. Estou totalmente de acordo com essa afirmação porque, no meu ponto de vista, não somente as licenciaturas, mas também as escolas “estão condenadas à interdisciplinaridade”! Porém, ao contrário do que normalmente se pensa, para que a interdisciplinaridade realmente aconteça na escola, o profissional deveria realizar estudos aprofundados em uma área específica do conhecimento e, paralelamente, contemplar as reflexões sobre o ensino-aprendizagem dos conceitos mais fundamentais dessa área. Em termos da atuação profissional, significaria projetar alguém que trabalhasse preferencialmente em uma determinada área do conhecimento escolar, a que se dedicasse mais, e que, necessariamente, estaria em contato permanente com outros campos do saber. Isto pode parecer polêmico e arriscado – principalmente, em um texto de apresentação de um livro em que a questão da interdisciplinaridade é tão destacada! –, mas, a meu ver, a formação de professores da educação básica deve manter-se prioritariamente (não exclusivamente) disciplinar (com exceção de alguns casos que destacarei mais adiante neste texto – entre eles, certamente, os cursos de Licenciatura Plena em Ciências da Natureza!). No entanto, é imprescindível que os estudantes das licenciaturas – independentemente, se “disciplinares” ou “interdisciplinares” – passem, obrigatoriamente, por várias experiências interdisciplinares ao longo de seus percursos – por exemplo, todas as disciplinas de formação pedagógica (ou de fundamentos da educação) deveriam ser sempre ofertadas a turmas com alunos de diferentes licenciaturas; as etapas iniciais dos estágios supervisionados (ou mesmo das “práticas como componentes curriculares”) deveriam ser organizadas para que licenciandos de distintas áreas pudessem compartilhar diferentes olhares sobre a escola e a sala de aula; em uma etapa um pouco mais avançada dos “estágios”, alunos de diferentes licenciaturas deveriam ser desafiados a desenvolver projetos interdisciplinares nas escolas. Por isso, recomendo muita cautela antes de simplesmente celebrarmos acriticamente esse movimento de criação das chamadas “licenciaturas interdisciplinares” no Brasil a partir do REUNI – devemos lembrar, por exemplo, que esse movimento é bastante heterogêneo nas diferentes universidades das cinco regiões do país. Na verdade, precisamos de pesquisas que avaliem com seriedade e com a máxima isenção as propostas curriculares desses cursos. Para mim, seria um enorme equívoco pensar que uma formação “dita interdisciplinar” – que, na verdade, em alguns casos, estaria mais para uma formação “polivalente” – garantiria uma atuação realmente interdisciplinar na escola. Isto poderia levar – mais uma vez, na história da educação brasileira – a cenários de aligeiramento e de improvisação da formação de professores com sérios riscos de que erros conceituais sejam reproduzidos nas salas de aula das escolas da educação básica em nosso país – principalmente, aquelas que atendem os “filhos dos outros” e cujas famílias já encontram-se alijadas de tantos direitos básicos em nossa sociedade.
É importante frisar também que toda essa discussão sobre as “licenciaturas interdisciplinares” deve ser feita levando-se em consideração as particularidades das grandes áreas do conhecimento e dos programas que foram criados, principalmente a partir do REUNI, para atender as especificidades dos sujeitos dessa formação ou daqueles a que se destina a educação conduzida por eles – por exemplo, os cursos de licenciaturas indígenas, os cursos de Licenciatura do Campo, os de Licenciatura em Educação Quilombola, em Educação Especial, em Educação Infantil etc. Estes parecem inovar não apenas em relação às suas propostas essencialmente interdisciplinares (e, em alguns casos, transdisciplinares!), mas também ao deslocarem o eixo de seus cursos dos “conteúdos” e das “metodologias” para as especificidades dos sujeitos em formação ou daqueles a que se destina a educação conduzida por eles. Em relação às grandes áreas do conhecimento, não tenho dúvidas de que a criação de cursos de Licenciatura Plena em Ciências da Natureza – também essencialmente interdisciplinares – pode representar um enrome avanço para o campo da formação de professores no Brasil e, como discutirei mais adiante, preencher uma lacuna histórica na educação brasileira. Porém, não tenho a mesma convicção em relação às outras grandes áreas do conhecimento como, por exemplo, Ciências Humanas e Artes. Reivindicar a volta do professor de “Estudos Sociais” ou do professor de “Educação Artística” cuja formação não contempla as especificidades dos respectivos objetos de ensino – em Filosofia, em Geografia, em História e em Sociologia ou em Artes Visuais, em Dança, em Música e em Teatro – pode representar um enorme retrocesso para a formação de professores dessas respectivas áreas. Portanto, não se trata de ter um posicionamento único e inflexível ou “a favor” ou “contra” as “licenciaturas interdisciplinares”. Isto seria algo extremamente simplista. De novo, devemos levar sempre em consideração as especificidades das áreas e dos programas (a quem eles se destinam? Qual o propósito desses cursos?) para analisar, com bastante cautela, em que situação romper com o modelo disciplinar realmente significaria um avanço ou um retrocesso em termos da formação de nossos professores.
O curso de Ciências – Licenciatura da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Campus Diadema, como mencionado acima, objeto de estudo e de reflexões sistemáticas neste livro, além de buscar, com muita seriedade e muito empenho, a construção dessa identidade interdisciplinar em seu projeto político pedagógico e, principalmente, em suas práticas docentes e de formação, procura contribuir, como antecipado anteriormente, para o preenchimento de uma lacuna histórica na educação brasileira: a formação de professores de Ciências da Natureza que atuam no segundo segmento (do 6º ao 9º ano) do ensino fundamental.
Parece inacreditável, mas até muito pouco tempo atrás não existiam no Brasil cursos e programas que preparavam futuros professores de Ciências da Natureza para atuarem especificamente no segundo segmento do ensino fundamental brasileiro! Na ausência desse profissional com formação específica, essa lacuna foi e vem sendo historicamente preenchida por egressos dos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas que formam prioritariamente o professor de Biologia do ensino médio e, apenas em segundo plano, o professor de “Ciências” do 6º ao 9º ano. Para não se cometer uma injustiça histórica, não podemos nos esquecer, porém, das famigeradas iniciativas de criação das chamadas “Licenciaturas Curtas” – entre elas as “Licenciaturas Curtas em Ciências” –, durante o longo e tenebroso regime militar brasileiro, que foram, na época, duramente criticadas pelas universidades públicas e por entidades como, por exemplo, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e acabaram tendo uma existência bastante efêmera na história da educação em nosso país – alguns poucos cursos de “Licenciaturas Curtas em Ciências”, principalmente em instituições privadas de ensino superior, persistiram por um tempo relativamente mais longo, mas deixaram de existir definitivamente a partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em 1996, ao dizer claramente que os professores que atuam no segundo segmento do ensino fundamental e no ensino médio devem obrigatoriamente ser egressos de cursos de Licenciatura Plena (art. 62).
Como se sabe, o professor de Ciências da Natureza que atua no segundo segmento do ensino fundamental brasileiro trabalha com conteúdos de Astronomia, Biologia, Física, Geologia e Química, bem como temas sobre Saúde, Ambiente, Sexualidade etc., e espera-se que ele faça isso de maneira integrada para que o estudante perceba, por exemplo, que a “queima” de alimentos durante o processo de digestão – tradicionalmente estudada no 8º ano em “O Corpo Humano” – é, em última instância, exatamente o mesmo fenômeno das reações de oxidação que ele estudará apenas no 9º ano, em “Física/Química”1. E como esperar isso de um professor egresso de uma Licenciatura que privilegia apenas um desses conteúdos – no caso, a Biologia – e disponibiliza, no máximo, um “verniz” sobre os demais conteúdos e temas? Isso sem mencionarmos outras ausências normalmente sentidas nesses cursos – como, por exemplo, o indispensável conteúdo sobre História e Filosofia das Ciências – que seriam imprescindíveis para o futuro professor de Ciências da Natureza ter noções de epistemologia e compreender a construção social e histórica da atividade científica. Ou ainda o tradicional desequilíbrio entre os conteúdos sobre os objetos de ensino (erroneamente chamados pela literatura da área de “conteúdos específicos”) e os conteúdos pedagógicos (estes, sim, específicos da formação docente!) ou os conteúdos pedagógicos sobre os objetos de ensino (aqueles trabalhados nas didáticas específicas ou nas chamadas “práticas de ensino”). Aliás, equilibrar a carga horária desses diferentes conteúdos nas matrizes curriculares é um enorme desafio a ser enfrentado por todas as Licenciaturas e não apenas aquelas das áreas das assim chamadas “ciências duras”.
Desse modo, repito que o curso de Ciências – Licenciatura da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Campus Diadema – mais uma vez, objeto de análise e de reflexões neste livro – procura contribuir para o preenchimento desta lacuna histórica na educação brasileira: a formação de professores de “Ciências da Natureza”. Isto, porém, obviamente, não sem desafios, sem dificuldades e sem contradições. Aliás, os desafios, as dificuldades e as contradições de todo o processo de criação e de implementação desse curso e do desenvolvimento nele de práticas docentes também são tratados de maneira bastante honesta e sóbria neste livro.
Por fim, o curso de Ciências – Licenciatura da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Campus Diadema celebrará, em breve, dez anos de existência! Este livro pode ser considerado um belo presente não apenas para os professores e alunos que nele atuam (ou já atuaram), mas também para a comunidade acadêmica em geral que se vê brindada com uma obra que realmente traz contribuições importantes para a discussão dos temas aqui tratados.
Desejo a todos, uma ótima leitura!
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